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O fim da Clínica Luiz Gama

NOTA DE REPÚDIO
O fim da Clínica Luiz Gama 
Esclarecimento aos parceiros e amigos da Clínica

24 de março de 2025

É com profunda tristeza que informamos a paralisação das atividades da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama por tempo indefinido, motivada pela decisão do Centro Acadêmico XI de Agosto de demitir as coordenadoras do projeto. 

No dia 14/03, recebemos com surpresa a notícia de que a coordenação do grupo estava sendo demitida pelo Centro Acadêmico XI de Agosto. Foi chamada uma conversa curta para comunicar a demissão da coordenação, sem espaço para ouvir as e os pesquisadores do projeto, os parceiros e atores que dependem da nossa atuação e as e os estudantes da Faculdade. Ainda, não nos foi oferecida nenhuma alternativa ou tempo hábil para buscar financiamento que subsidie a continuação do nosso trabalho.

A Clínica é um projeto que trabalha há 16 anos com população em situação de rua, sendo o primeiro da universidade a dialogar com a temática e o único projeto na Faculdade de Direito responsável por mediar as relações entre a comunidade de estudantes, professores e funcionários e as pessoas em situação de rua que convivem conosco nas arcadas e ao redor delas. Além disso, a Clínica é um projeto pedagógico que forma profissionais do direito e fora dele para trabalhar com direitos humanos de forma crítica, interdisciplinar e responsiva, estreitando os laços entre universidade e sociedade.

Para aqueles que conhecem o formato de ensino clínico e o projeto, o papel da coordenação é evidente: as coordenadoras são responsáveis por conduzir e orientar a formação pedagógica das e dos estudantes, supervisionar os trabalhos, manter o contato com os parceiros e a memória do projeto, garantindo sua continuidade de forma ininterrupta, responsiva e responsável. A coordenação é justamente a peça fundamental  que garantiu a continuidade do trabalho durante esses 16 anos de reconhecimento.

Sendo a coordenação parte essencial no funcionamento do projeto, a decisão de demiti-la implica a interrupção do projeto ou a sugestão da gestão de que as coordenadoras sigam realizando o trabalho sem serem reconhecidas ou remuneradas. De qualquer forma, trata-se de uma decisão que precariza e desvaloriza não apenas o trabalho com direitos humanos, mas também o trabalho com ensino e pesquisa. 

Cabe ressaltar que foram apresentados dois argumentos para a demissão das coordenadoras. O primeiro foi a saúde financeira do XI. Recebemos esse argumento com algum estranhamento, já que os salários da Clínica são os menores da folha de pagamento. De qualquer forma, pedimos acesso ao estudo realizado sobre os impactos que essa economia geraria nas contas do XI, mas essa informação foi negada. 

O segundo argumento foi um suposto desconforto que poderia ser gerado com as demais entidades em função do arranjo de contratação das coordenadoras. É importante resgatar o histórico de elaboração desse arranjo, que foi proposto pelos estudantes e pelas demais em 2009 e desenhado como uma alternativa à inclusão da Clínica no repasse de entidades, evitando que esse valor afetasse o montante destinado a outros projetos. No mais, a Clínica é parceira histórica de diversos grupos de extensão e coletivos e a pauta da remuneração das coordenadoras já foi debatida coletivamente nos últimos anos, e segue contando com o apoio dos diferentes grupos internos e externos à Faculdade. 

Na conversa realizada na sexta, no entanto, nenhuma alternativa de sustentabilidade da Clínica foi apresentada, seja a inclusão do projeto no repasse, seja a busca por outras formas de financiamento que garantam sua continuidade. Entres as consequências dessa decisão, estão não apenas o fim das atividades do grupo, mas também a descontinuidade de uma série de parcerias em andamento, em especial com a Associação Rede Rua, com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e FioCruz Brasília, além do fim do diálogo com movimentos sociais e entidades que atuam na pauta. 

Diante desse cenário, diferentes parceiros manifestaram preocupação e o Centro Acadêmico XI de Agosto foi oficiado pela Deputada Federal Erika Hilton, pelo Deputado Estadual Eduardo Suplicy e pela Vereadora Amanda Paschoal para apresentar esclarecimentos acerca da decisão abrupta e unilateral. Até o momento não houve resposta do Centro Acadêmico. 

Em resumo, a demissão da coordenação é uma escolha política. O tema da formação em direitos humanos e a atuação junto à população em situação de rua não são prioridades da atual gestão. Esse movimento ofende a memória e o trabalho de Luiz Gama, nosso patrono e principal referência de trabalho, que construiu uma trajetória que orienta seu trabalho no sentido da transformação social, questionando não apenas a forma como direito opera mas também a forma como ele é ensinado e transmitido.