Relatório ”Primeira infância e maternidade nas ruas de São Paulo”

O relatório de pesquisa “Primeira infância e maternidade nas ruas de São Paulo” surgiu a partir da atuação da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama com a população em situação de rua,  em meio a uma reflexão sobre o campo e a percepção da presença majoritariamente masculina nos espaços ocupados por tal população, sendo difícil e rara a aproximação das poucas mulheres presentes nos locais. Além disso, a pesquisa nasce, também, do contraste entre a grande quantidade de mulheres que atuam na linha de frente da garantia de direitos desse grupo populacional e a expressiva maioria de homens em situação de rua.

Nesse sentido, percebendo a necessidade de se entender de forma mais aproximada a situação específica das mulheres em situação de rua – suas questões, suas trajetórias, suas demandas –  a Clínica passou a realizar a escuta dessas mulheres e, principalmente, das trabalhadoras que atuavam diretamente com esse grupos (nos serviços públicos e no poder judiciário), constatando a centralidade de gestação, do parto e do cuidado das crianças na vida de muitas dessas mulheres. Assim, a partir da fala das profissionais – uma escolha metodológica sensível ao possível constrangimento ou sofrimento que a abordagem direta com as mulheres que perderam seus filhos poderia causar – foi constatada a existência de diversas violações de direitos das mulheres mães em situação de rua, justificadas pelo “melhor interesse e bem estar da criança” em detrimento da mãe e da convivência familiar dessas crianças. 

Essa resposta recorrente do Estado, muitas vezes dada por meio do Judiciário, sustenta-se em uma visão dicotômica da relação interesse da criança e direito da mãe, que acaba por desnaturar a garantia ao direito de convivência familiar prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, violando, assim, direitos não só da mãe, mas também da criança. As decisões costumam ser influenciadas por um modelo de família específico socialmente construído, que ronda a mentalidade dos profissionais e juízes, mas que não condiz com a realidade da população em situação de rua.

A partir dessa percepção, o Relatório abordou o tema das mães e crianças em situação de rua, trazendo um recorte de gênero, de modo a entender as violações de direitos dessas mulheres e as barreiras de exercício da maternidade com as quais estas lidam. Considerando a centralidade da gestão na vida dessas mulheres, o foco da pesquisa foi o mapeamento do fluxo de atendimento a essas mães e bebês, buscando compreender quais os direitos e as violações sofridas pela população em questão e, também, a falta de políticas públicas existentes nesse cenário, que acaba por corroborar no afastamento do bebê da mãe. Para isso, foram realizados diálogos com diversas entidades e organizações envolvidas na rede de serviços, como o Consultório na Rua (que realiza o atendimento e acompanhamento médico de pessoas em situação de rua), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), o Serviço Especial de Abordagem Social, dentre outros.

A pesquisa, assim, busca refletir a pluralidade de vozes que compõem este cenário, descobrindo não somente as dificuldades das mães diretamente afetadas, mas também das profissionais envolvidas, que demonstraram angústia frente à falta de políticas de encaminhamento em relação a essas mulheres e aos atravessamentos judiciais – comumente no sentido de separar a criança da mãe – vindos de instâncias que muitas vezes não mantêm vínculos de fato com as famílias envolvidas. Dessa forma, com a disponibilização do documento, tem-se por objetivo a visibilização da questão da maternidade em situação de rua como uma maternidade possível, desde que haja o desejo da mulher em assumir essa filiação e o apoio para esse exercício através de políticas públicas de moradia, geração de renda, entre outras. O Relatório, é, sobretudo, um instrumento para  ampliação da rede de trocas e reflexão sobre o assunto, procurando avançar nos entendimentos e na concretização do melhor interesse das crianças e famílias envolvidas. Uma das conquistas do trabalho realizado foi a popularização da Nota Técnica N.º 01/2016/MDS/MSaúde para as profissionais envolvidas, sendo o Relatório utilizado como referência técnica para a atuação de proteção dos direitos da criança e da mulher em situação de rua.

Link de acesso ao Relatório: https://issuu.com/cdh.luiz.gama/docs/relatorio_primeira_infancia